quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Vida de Cubo!

A gente não pode andar a pé sem estar coberto pelos mantos e coletes que nos protegem do mundo. Coletes feitos de tijolos revestindo todas as laterais dos lugares em que nos encontramos. Do chão ao teto e de um lado ao outro. Todos precisam estar fechados, como invólucros hermeticamente fechados protegendo contra o ar da periculosidade. Se algum desses lados não estiver fechado, o cuidado deve ser redobrado. Os olhos precisam estar mais abertos, o corpo mais tenso, a caminhada mais rápida, preparado para fugir a qualquer momento de uma situação ameaçadora. Só nos sentimos seguros se estivermos cobertos, envoltos, lacrados por todos os lados, onde não haja brechas para entrada de ar. Vivemos de cubo em cubo, com intervalos muito rápidos entre eles de extrema tensão, cautela e cuidado. Andar sem estar hermeticamente lacrado assemelha-se a uma ameaça de não se sabe quem e nem para o que, mas sente-se ser impossível fazê-lo.
Nesses cubos, o ar não é puro. A quantidade de gás carbônico misturada ao oxigênio quase sufoca, entupindo as veias respiratórias existenciais. A gente só respira a repetição, a mistura, não respira nada autêntico. É um ar meio camuflado, que dá manutenção à sobrevivência, mas que não traz fôlego de vida. A cor da paisagem é monótona, neutra, artificial. Estamos acostumamos a ela, trocamos adornos e cores. Mas eles são todos estáticos, assim como o ar que não circula, levando-nos a um calor imóvel e agoniante. Este calor sufoca, prende nos a suores que não desintoxicam, mas deixa-nos preguentas, incomodadas.
                O ar puro, livre e infinito faz falta, pois é ele quem garante a espontaneidade, as alteridades, as diversidades. A inconstância do seu ritmo, do seu movimento, da sua pureza e da sua intensidade trazem experiências significativas à vida. O frio não é de ar condicionado. O calor não é de sufoco. Essas sensações são fluidas, renováveis, encontram vazão para se expressar. Enrijecem e limpam o corpo e a vida. A mistura dos componentes do ar, do sol, das nuvens, das plantas e dos animais não forma apenas a natureza. Ela confere outra oportunidade de experiência pessoal, com descobertas pessoais.
                Mas tudo isso é cada dia mais raro. A vida artificial tenta imitar a vida natural, mas ela não pode forjar o ritmo e a frequência instáveis dos movimentos autênticos e espontâneos dos seus componentes. A criação da vida de cubo em cubo garante a segurança de vida, mas não a sua qualidade. As experiências significativas nessa vida são de medo, de ameaça, de impotência, de violência, de receio. O movimento que ela apresenta, ritmado e constante, cansa, fatiga. O inesperado é rejeitado, recusado, odiado. Hoje nascemos do invólucro do ventre para os cubos do mundo. Somos privados das experiências no mundo pela segurança da vida, para evitar os riscos de trauma e morte.
                Não percebemos que os cubos são prisões a medida que nos restringem a liberdade. Prisões de paredes coloridas, tijolos enfeitados e vigas importadas. As possibilidades de aprendizagens significativas são forjadas, acentuando a falta de autonomia de vida. E quem disse que viver dessa forma não é um trauma? Restringindo as possibilidades, a realidade, a autenticidade, a espontaneidade!
                Enganamo-nos achando que esta vida é bonita, quando na verdade ela é apenas colorida. São nossos olhos que nunca viram as cores do Pantone ao vivo e se admiram com qualquer novidade. Limitamo-nos ao acessível e seguro, vendo o possível por trás de uma janela. Achamos que é suficiente, mas o vidro deforma, limita, resguarda, distancia. Vemos mas não entramos em contato. Inspiramos mas não sentimos o cheiro. Comemos mas não sentimos o gosto. Respiramos mas não inspiramos profundamente. Expiramos mas não colocamos verdadeiramente nada para fora. Somos seres muito existentes e pouco viventes, quase como um pedaço de carne hermeticamente fechado. Nossa capacidade de ser permeável com o mundo está cada vez mais restrita.